Thursday, March 16, 2017

the dream of blindness

O garoto não pode enxergar desde que nasceu. São onze anos de uma vida envolta de quatro sentidos que compõem seu espectro do que é normal.

No entanto, sua mãe nunca deixou de procurar tratamento para a doença, mesmo com ele já totalmente adaptado à vida sem luz. Estuda em período integral em uma escola adaptada para crianças com necessidades especiais e tem muitos amigos ali. Assim como em sua escola, em casa, atravessa os cômodos como quem vê tudo. Seu cão de estimação é seu guia e um dos melhores amigos. Eventualmente, um destes tratamentos começa a surtir efeito.

Em poucos dias ele já consegue identificar cores dentre os borrões. Após alguns meses, sua visão está praticamente perfeita.

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No ano seguinte, sua mãe o transfere para uma escola convencional.

Apesar de agora ser fisicamente igual à qualquer outro aluno ali, frequentemente o garoto se desliga do mundo enquanto processa essa torrente de novas informações inundando o cérebro. Como crianças tendem a excluir o diferente, ele sofre dificuldades para fazer novas amizades.

Em um dia qualquer, sua mãe sai de casa brevemente para fazer compras no mercado. Ao retornar, o interior da casa está forrado de uma fumaça fina, provavelmente de algo queimando no fogão. No centro da sala, do lado dos brinquedos do garoto, há dois palitos de churrasco junto a um rastro de sangue.

Ignorando o provável incêndio, a reação inicial dela é gritar pelo filho. Não demorou muito para achá-lo quieto e cabisbaixo, atrás de uma mesa virada na sala de jantar. No que a mãe pronuncia seu nome mais uma vez, o garoto vira seu rosto em sua direção, que, para surpresa e desespero, está quase que totalmente coberto de sangue originado de ambos os olhos. A mãe, em choque, congela por alguns segundos, até que o menino, em voz triste, tenta justificar.

– Eu só queria que as coisas voltassem a ser como antes...

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